Cateter hidrofílico para cateterismo vesical intermitente em indivíduos com lesão medular e bexiga neurogênica

Ano de publicação: 2019

CONTEXTO:

No Brasil estima-se que a incidência de trauma raquimedular é de 40 casos novos/ano/milhão de habitantes, sendo que 80% das vítimas são homens e 60% se encontram entre os 10 e 30 anos de idade. As repercussões urológicas causadas pela lesão na medula espinhal constituem um dos principais desafios durante a reabilitação, pois o mau funcionamento vesical pode, quando assistido inadequadamente, acarretar complicações que vão desde a infecção urinária, cálculos vesicais, refluxo vesicoureteral, hidronefrose e, em casos extremos, perda da função renal. No indivíduo com bexiga neurogênica em função da lesão medular deve-se garantir esvaziamento vesical a baixa pressão, evitar estase urinária e perdas involuntárias. Na maior parte dos casos, este esvaziamento deverá ser feito por cateterismo vesical intermitente, instituído de forma mandatória desde a alta hospitalar. Infecções do trato urinário são extremamente frequentes nos lesados medulares sendo a principal doença infecciosa que os acomete tanto na fase aguda quanto na fase crônica da lesão medular. A principal causa relaciona-se com a retenção e esvaziamento incompleto da bexiga. Os pacientes que realizam cateterismo vesical intermitente são todos colonizados em seu trato urinário, devendo-se, inclusive, considerar esse fator para o diagnóstico correto de infecção nestes pacientes. Serão valorizadas apenas uroculturas positivas de pacientes que tiverem sintomas consistentes como febre, aumento ou aparecimento de perdas urinárias entre os cateterismos, aumento de espasticidade e automatismos e piora da dor neuropática, entre outros. Existem cateteres constituídos por vários tipos de materiais, como cloreto de polivinila (PVC/plástico), plástico livre de PVC, silicone, entre outros. Os cateteres podem ser revestidos com polivinilpirrolidona (PVP), ou outros polímeros, que absorvem água na proporção de até 10 vezes o seu próprio peso (revestimento hidrofílico). Assim, quando expostos à água, se tornam escorregadios, reduzindo o atrito entre a superfície do cateter e a uretra durante a inserção. Sugere-se que o uso de cateteres com revestimento hidrofílico no cateterismo intermitente diminua o risco de infecções urinárias e suas complicações, além de minimizar o risco de lesões uretrais, com impacto positivo na qualidade de vida.

TECNOLOGIA:

cateter com revestimento hidrofílico de poliuretano para cateterismo intermitente (SpeediCath®).

Pergunta:

“O uso de cateter com revestimento hidrofílico é eficaz e seguro para a realização do cateterismo intermitente em pacientes com retenção urinária decorrente de lesão medular quando comparado à opção atualmente disponível no SUS?“ EVIDÊNCIAS CIENTÍFICAS: A evidência que subsidia o uso do cateter com revestimento hidrofílico se baseia em três metanálises e uma revisão sistemática de estudos controlados randomizados em que se comparam o uso, em cateterismo intermitente, desse tipo de cateter com outros não revestidos em indivíduos com lesão medular. Os estudos têm em sua maioria risco de viés incerto para a maior parte dos domínios da ferramenta da colaboração Cochrane, chamando atenção o alto risco de viés de atrito em dois dos maiores estudos incluídos nas metanálises. Pela utilização de cateteres hidrofílicos registrou-se um efeito sumário de redução de risco relativo de infecções urinárias entre 16 e 19% (Christison et al., 2018; Rognoni, Torricone, 2017), podendo variar entre menos de 1% e 35%. A redução de risco absoluto de infecções urinárias pela utilização dos cateteres hidrofílicos variou entre 3,2%, na metanálise de Rognoni, Torricone, e 9,31%, na metanálise de Christison. Em relação aos desfechos relacionados ao trauma de uretra (hematúria, episódios de sangramento) foram obtidos resultados conflitantes, relatandose efeito protetor somente na metanálise de Li e colaboradores (2013), enquanto nas metanálises de Christison 2018 e Rognoni, Torricone 2017 e na revisão sistemática de Shamout 2017 não foram registradas diferenças significativas entre os cateteres. Na revisão sistemática de Shamout 2017 avaliou-se também aspectos de qualidade de vida e satisfação dos pacientes, que relataram maior satisfação e melhor qualidade de vida com o uso de cateteres hidrofílicos.

ESTUDO ECONÔMICO:

Foi apresentada análise de custo-efetividade comparando o cateter com revestimento hidrofílico com o cateter uretral de PVC sem revestimento em adultos com retenção urinária decorrente de lesão medular que realizam cateterismo intermitente, com idade média inicial de 36 anos. A perspectiva foi do Sistema Único de Saúde, com horizonte temporal de toda a vida. Apresentou-se um modelo de Markov, utilizando-se os desfechos anos de vida salvos, número de infecções do trato geniturinário graves e não graves evitadas e perda da função renal. Observou-se que não se utilizou o desfecho anos de vida ajustados pela qualidade porque não há valores de utilidade validados para o Brasil. Os custos dos cateteres computados na análise foram obtidos pela consulta ao Banco de Preços em Saúde para o valor do cateter de PVC (R$ 0,61) e pelo valor proposto pelo demandante para o cateter hidrofílico (R$ 5,00). Os custos totais por mês de utilização dos cateteres, considerando 4 trocas diárias e também a utilização de lidocaína para cateter de PVC com o custo mensal de R$ 132,71 por mês foram de R$ 608,75 para o cateter com revestimento hidrofílico e de R$ 206,98 para o cateter de PVC. Para o desfecho primário, anos de vida salvos, o uso de cateter com revestimento hidrofílico foi relacionado a um incremento de 0,544 anos de vida, com um custo incremental de R$ 31.221,00. A razão incremental de custo-efetividade foi de R$ 57.432,00 por ano de vida salvo. Em relação à incidência de infecções do trato urinário, avaliado como desfecho secundário, o uso do cateter com revestimento hidrofílico foi relacionado a uma menor incidência de eventos em relação ao uso do cateter de PVC, com um custo incremental de R$ 9.777,66 por infecção evitada. Foram conduzidas análises de sensibilidade univariada e probabilística. Na análise univariada foram incluídos vários parâmetros variando-os por 20% em relação ao cenário base. O parâmetro com maior impacto no desfecho anos de vida salvos foi o risco relativo de infecções urinárias. A simulação de aumento do risco relativo de infecção urinária pelo uso do cateter com revestimento hidrofílico muda o resultado do cenário base e o cateter hidrofílico passa a ser dominado pelo cateter de PVC, sendo mais caro e menos efetivo. Outros parâmetros pouco afetaram o resultado da análise para o cenário base. A análise probabilística foi calculada com 1.000 iterações, resultando em 54% dos casos semelhantes ao cenário base, com a nova tecnologia apresentando-se mais efetiva e cara. Para o restante dos casos o resultado aponta para uma tecnologia nova menos eficaz e mais cara e, portanto, dominada.

AVALIAÇÃO DE IMPACTO ORÇAMENTÁRIO:

De acordo com o modelo proposto pelo demandante o impacto orçamentário incremental seria de R$ 70 milhões no primeiro ano e R$ 117 milhões em 2022, para um gasto acumulado total nos cinco anos de R$ 469 milhões.

RECOMENDAÇÃO INICIAL DA CONITEC:

Os membros da Conitec presentes no plenário no dia 07/02/2019 durante a 74ª reunião ordinária da Comissão decidiram por unanimidade e de forma preliminar recomendar a incorporação de cateter com revestimento hidrofílico ao SUS, condicionada à elaboração pelo Ministério da Saúde de Protocolo e à negociação de preços.

CONSULTA PÚBLICA:

A Consulta Pública nº 02 de 2019 foi realizada entre os dias 14/02/2019 e 05/03/2019. Foram recebidas 30 contribuições, sendo 12 pelo formulário para contribuições técnico-científicas e 18 pelo formulário para contribuições sobre experiência ou opinião. Das 12 contribuições recebidas de cunho técnico-científico todas são concordantes com a recomendação preliminar da Conitec.

As principais justificativas para a concordância foram:

menor frequência de trauma, de dor ou ardência da uretra e de infecções do trato urinário. Realização do cateterismo intermitente sem tocar a parte do cateter que será introduzida na uretra e sem a necessidade de utilização de outros materiais como gazes, gel lubrificante e lidocaína. O uso está associado a ideias de maior eficiência, maior adesão ao cateterismo, menos consultas para orientação de como utilizar a técnica limpa e mais autonomia aos pacientes. Foram submetidos um estudo já analisado no parecer e a referência de manual da Anvisa. Outras contribuições sobre as evidências clínicas se basearam em opinião de especialista e convergem com as justificativas apresentadas para concordância com a recomendação preliminar da Conitec. Das 18 contribuições recebidas sobre opinião ou experiência com a tecnologia, todas concordaram totalmente com a recomendação preliminar da Conitec. As justificativas podem ser categorizadas em diminuição de infecções urinárias; melhora da qualidade de vida; manipulação mais fácil; melhora da autonomia e menor frequência de lesão à uretra. Houve um maior número de contribuições de experiências de pacientes, que relatam em sua maioria aspectos positivos pelo uso do cateter hidrofílico. A maioria correlacionou o uso do cateter não revestido com maior número de infecções, maior frequência de lesão da uretra e piora na autonomia e qualidade de vida.

RECOMENDAÇÃO FINAL:

Os membros da Conitec presentes na 78ª reunião ordinária, no dia 05 de junho de 2019, deliberaram, por unanimidade, recomendar a incorporação do cateter hidrofílico para cateterismo vesical intermitente em indivíduos com lesão medular e bexiga neurogênica, conforme estabelecido pelo Ministério da Saúde, no SUS. Foi assinado o Registro de Deliberação nº 448/2019.

DECISÃO:

Incorporar o cateter hidrofílico para cateterismo vesical intermitente em indivíduos com lesão medular e bexiga neurogênica, conforme estabelecido pelo Ministério da Saúde, no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS. Dada pela Portaria nº 37, publicada no Diário Oficial da União nº 142, seção 1, página 147, em 25 de julho de 2019.

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